Sem categoria

MUNDO! UM ANO DE GUERRA NA UCRÂNIA: Envolvimento da Otan no conflito pode aumentar risco de guerra nuclear, avaliam especialistas

 

Pesquisadores e cientistas políticos consultados pela CNN avaliam os potenciais riscos do uso de armas nucleares na guerra entre a Rússia e a Ucrânia que completa um ano nesta sexta-feira (24).

Escombros de prédio residencial atingido por ataque russo em Chasiv Yar, na região ucraniana de DonetskEscombros de prédio residencial atingido por ataque russo em Chasiv Yar, na região ucraniana de Donetsk. Oleksandr Ratushniak/Reuters.

A guerra na Ucrânia completa um ano nesta sexta-feira (24). O conflito, que já deixou milhares de mortos e de desabrigados, parece longe do fim.

O país liderado por Volodymyr Zelensky resiste aos ataques da Rússia, com fôlego adicional obtido a partir do apoio de países do Ocidente e de membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

Quando se fala em guerras, um dos maiores receios da comunidade internacional é a escalada do conflito para um enfrentamento nuclear que pode ser devastador para a humanidade.

Pesquisadores e cientistas políticos consultados pela CNN avaliam os potenciais riscos do uso de armas nucleares na guerra entre a Rússia e a Ucrânia.

Existem diferentes tipos de armas nucleares, com objetivos e poder destrutivo distintos. As armas táticas são voltadas a ataques pontuais, que atingem tropas ou bases militares de maneira limitada e concentrada. Já as armas estratégicas contam com um maior poder destrutivo e podem levar a uma ampla contaminação radioativa do ambiente, colocando em risco um número de pessoas inestimável.

O professor da Universidade de Brasília (UnB) Antônio Jorge Ramalho da Rocha aponta que há indícios de que a Rússia pode avançar na direção de empregar armas nucleares – nesse caso, as táticas.

“Há indícios importantes de que a Rússia pode avançar na direção de empregar armas nucleares táticas. A doutrina russa de emprego de artefatos nucleares prevê seu emprego em caso de ‘ameaças existenciais’ ou ao seu território. Em mais de uma ocasião, o porta-voz do Kremlin e o próprio presidente Putin lembraram a comunidade internacional disso”, afirma Rocha.

Entretanto, a tendência não é escalar para o emprego de artefatos nucleares no futuro previsível, segundo o especialista. A guerra está longe do fim e há muitas possibilidades de escaladas convencionais, ou mesmo inovadoras, antes do recurso a armas nucleares.

“O segundo aspecto da questão é que a Rússia entende as implicações do emprego dessas armas, razão pela qual também vem reafirmando sua tradicional postura de ‘não-emprego inicial’, isto é, de não ser o primeiro a utilizar armamentos nucleares de qualquer natureza, já que isso pode levar a reações em cadeia, a uma escalada que coloque a humanidade em um ponto de não-retorno”, acrescenta.

Para os pesquisadores, a Rússia vem conduzindo uma postura de maneira racional até agora, o que indica uma disposição a continuar no emprego de armas convencionais combinadas a instrumentos de guerra híbrida – como mercenários, comandos descaracterizados, ataques cibernéticos, fake news orientadas a dividir seus adversários e inimigos.

“Sim, a Rússia está ameaçando escalar um conflito para um nível mais alto nuclear há um ano e não o faz. Por que se utilizasse armas nucleares, principalmente contra o Ocidente, seria garantido uma retaliação do Ocidente”, afirma o professor Kai Enno Lehmann, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP).

“Isso eu imagino que significaria o fim do regime de Vladimir Putin. No final das contas, muitas pessoas, inclusive o Putin, e muitos daqueles que dependem dele para se sustentar em uma posição de poder não querem isso”, completa.

nfluência da elite russa

O pesquisador russo Aleksandr Sherstobitov, estudioso de ciências políticas e colaborador no Instituto de Relações Internacionais da USP, avalia que os objetivos da elite russa e de Putin não parecem tão radicais.

“Certamente, as ações dos países ocidentais e seu apoio à Ucrânia são consideradas pelas elites russas como a escalada do conflito. No entanto, quando falamos de questões nucleares sempre nos concentramos no equilíbrio e analisamos o confronto de um ponto de vista racional. O ponto de partida aqui é que o uso de armas nucleares é completamente irracional. Nesta perspectiva, os cientistas muitas vezes olham para a situação através das lentes da teoria dos jogos. E a sabedoria convencional diz que a escalada do conflito em uma guerra nuclear sempre tem um resultado perde-perde”, explica.

Sherstobitov afirma que, no entanto, pairam preocupações sobre quais são os objetivos dos líderes autoritários, uma vez que eles podem diferir dos democráticos e ter outros incentivos.

“Se nos referirmos à estratégia de Putin na Ucrânia, vários objetivos parecem ser relevantes para as elites russas e para Putin: primeiro, manter o poder político dentro da Rússia e a influência na área pós-soviética; segundo permanecer na história como ‘o arrematador da terra’; terceiro, alcançar o status quo com a Otan, pelo menos nas esferas dos interesses da política externa russa. Nenhum desses objetivos pode ser alcançado com armas nucleares, seja guerra nuclear total ou ataque nuclear tático no território ucraniano”, avalia o pesquisador.

O pesquisador russo aponta que há uma exceção neste cenário.

“O ataque nuclear pode ser possível quando Putin não tiver mais nada para fazer ou souber que está à beira da morte. Existem pelo menos duas limitações para a probabilidade de um ataque nuclear neste modelo”.

Primeiro, parece que Putin está em uma “armadilha de informação do ditador”, afirma Sherstobitov.

“Há muitas evidências no ano passado de que ele obtém informações muito ruins sobre o que está acontecendo na Ucrânia e dentro da Rússia. Ao mesmo tempo, ele ainda tem poder absoluto para tomar decisões. Por isso houve muitas decisões equivocadas determinadas pela falta de informação e/ou assimetria informacional. Os representantes da elite que têm acesso direto a ele limitam as falhas de informação para atingir seus próprios objetivos. Por exemplo, eles dizem mentiras que ele gosta para obter seu favor”, explica.

O especialista avalia que a comitiva de Putin pode jogar com a limitação de informações, com o objetivo de salvar suas vidas, ativos e desenvolver suas próprias estratégias políticas de elite interna.

“Em segundo lugar, ainda existem várias pessoas envolvidas nessa tomada de decisão. Além disso, depois que o ‘botão vermelho’ é pressionado, há uma cadeia de pessoas que estão envolvidas no processo até o fundo. Portanto, há alguma probabilidade de que não funcione em algum estágio ou nível. Quanto mais pessoas estiverem envolvidas, menor a probabilidade de um ataque nuclear, porque nessas circunstâncias cada um é o ‘jogador’ no modelo teórico do jogo”, pontua.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *