Girau do Ponciano, no agreste alagoano, tem 36 mil pessoas. Em 2022, segundo o relatório da CGU, mais de 12 mil estavam matriculados na EJA. Isso é 35% da população.
Esse é o terceiro maior número de alunos nessa modalidade de ensino no país, perdendo apenas para capitais São Paulo e Rio de Janeiro.
De acordo com o relatório, estima-se que existam mais de 3 mil alunos fantasmas em Girau: pessoas matriculadas na cidade e em outros locais ao mesmo tempo e pessoas mortas sem nenhuma falta, com notas e aprovação.
O prefeito de Girau é Bebeto Barros, que era vice na gestão passada, quando foi feita a lista. Segundo a CGU, a cidade teria recebido de forma indevida R$ 18,5 milhões. Procurado, o prefeito não atendeu a reportagem.
Em nota, a prefeitura disse que vai abrir uma investigação interna para apurar eventuais irregularidades.
O Fantástico segue viagem para Paquetá, no Piauí, um município com menos de 4 mil habitantes.
A lista da EJA é tão inflada que é como se quase metade da cidade estivesse matriculada. Proporcionalmente ao tamanho, esta pequena cidade tem o maior número de matrículas da EJA do país. A reportagem foi atrás de nomes que aparecem na lista.
Um dos nomes, Luiz Reis dos Santos, já havia falecido em 2017, mas constava como matriculado em 2022 e 2023.
Outro nome, Valdeci Roque Cruz, também falecido em 2018, constava na lista de alunos. A filha de Valdeci, que é professora na mesma escola, afirmou que ele foi retirado do censo assim que faleceu.
A prefeitura de Paquetá recebeu dinheiro do governo federal pela inscrição de Valdeci, como se ele estivesse vivo e estudando normalmente, segundo a CGU.
O Fantástico ainda descobriu um aluno matriculado em Paquetá e ao mesmo tempo preso em Rondônia, além de um sargento aposentado do Distrito Federal e sua esposa, localizados em Goiás.
De volta ao Piauí, na prefeitura de Paquetá para buscar explicações sobre os mortos na lista. O prefeito atual, Clayton Barros, é do mesmo grupo político do prefeito anterior, hoje deputado estadual, Thales Coelho.
A reportagem tentou falar com o prefeito Cleiton Barros sobre a fraude na EJA. O assessor jurídico da prefeitura, Daniel Leonardo, afirmou que todos os alunos matriculados comparecem às aulas e que a lista de presença foi enviada ao Ministério Público para investigação.
A prefeitura enviou uma nota dizendo que os nomes de mortos na lista foram retirados em 2020, mas que, por um erro do sistema, continuaram ali. A nota diz ainda que o problema foi relatado ao INEP e os nomes retirados depois.
O ex-prefeito Thales Coelho, agora deputado, informou que não teve conhecimento de irregularidades na EJA durante sua gestão.
irregularidades na EJA durante sua gestão.
A reportagem foi a São Bernardo, no Maranhão, de 27 mil habitantes. Lá, teve acesso a uma mensagem de áudio de uma agente de saúde espalhando informações falsas para captar alunos para a EJA.
A equipe tentou falar com a ex-secretária de Educação, Raquel Carvalho, e com o ex-prefeito João Igor, mas não obteve resposta.
Em São Bernardo, uma família inteira estava matriculada na EJA de 2022, apesar de não estudarem mais. O lavrador José Agripino de Souza afirmou que ninguém autorizou a matrícula.
O procurador regional da República, Juraci Guimarães, classificou a situação como um escândalo no sistema de educação, especialmente em um estado pobre como o Maranhão.
“É um escândalo no sistema de educação, políticas públicas existentes, de uma deficiência, ainda mais num estado pobre como o estado do Maranhão, com altos índices de analfabetismo”, diz Juraci Guimarães, procurador regional da República.
A gestão atual da cidade não quis comentar o caso.
No Maranhão, dez cidades são investigadas por fraudes na EJA pela CGU, Ministério Público Federal e Tribunal de Contas do Estado.
Após as investigações, prefeituras dessas cidades afirmaram ter corrigido os dados inflados de matrículas. No Maranhão, o número de alunos matriculados na EJA em 2024 caiu 30% em relação a 2023, e em São Bernardo, a redução foi de mais de 67%.
Em Alagoas, na cidade de Olho d’Água Grande, o município informou ao MEC que 106 alunos se matricularam na EJA em uma pequena escola no povoado de Gravatá, mas moradores afirmam que o número nunca passou de 30.
A lista de alunos incluía pessoas falecidas, como o filho do Sr. José, Cícero, que morreu em um acidente de moto em 2022, e não morava na cidade.
A prefeita é Suzy Higino, que também não estava na prefeitura.
A coordenadora pedagógica Claudirene Cordeiro explicou que todos os alunos matriculados na EJA regular também fizeram a EJA profissionalizante.
No entanto, a CGU constatou que a cidade não conseguiu comprovar a realização dos cursos e recebeu indevidamente mais de 3 milhões de reais de verba pública. A prefeitura justificou que os cursos não foram realizados devido à chuva e encaminhou fotos dizendo que foram realizados no ano seguinte.
Segundo a CGU, o prejuízo com essa fraude passou de 66 milhões de reais. O procurador regional da República, Juraci Guimarães, destacou a necessidade de procedimentos mais restritos de autoverificação e controle para dificultar a inserção de dados falsos.
Apesar das fraudes, o pescador Mosaniel, que concluiu a EJA, agora cursa Ciências da Natureza na Universidade Federal do Piauí. Ele destaca a importância do EJA como um programa que resgata sonhos e oferece oportunidades de estudo para aqueles que tiveram que abandonar a educação.